terça-feira, 9 de junho de 2009

PRIMEIRO CAPÍTULO DO LIVRO "OS SEGREDOS DAS MINAS GERAIS"

OS SEGREDOS DAS MINAS GERAIS

CAPÍTULO I

“UMA ANTIGA ORDEM”

Fim das aulas! Fim do ano letivo. Começo das férias! Enfim, eu poderia deixar de lado minhas preocupações escolares e pensar em outras coisas. Poderia passar mais tempo com a Júlia e resolver um problema: achar uma maneira de contar a nossos pais que estávamos namorando. Na verdade, revelar isso a meus pais seria fácil. Tenho certeza de que não haveria problemas e eles não iriam me julgar mal nem desaprovar. Pelo contrário, afinal eles adoram a Ju. O problema seriam os pais dela, principalmente o pai. Júlia me disse que ele não compreenderia e não aprovaria nosso relacionamento. Não por minha causa, mas pela nossa idade. Tanto eu quanto Ju temos quatorze anos. Já quanto à mãe dela, creio que seria mais fácil, afinal ela já me conhece há tempo e conhece também minha família, pois ela fez faculdade com minha mãe quando eram mais jovens.

Nessas férias eu teria tempo pra pensar com mais calma. Será?

Claro que não!

Há uns quatro meses atrás, algo extraordinário aconteceu em nossas vidas. Eu, Júlia e meu melhor amigo, Renato, por acaso percorremos pontos históricos de nossa cidade, Juiz de Fora, atrás de algo que nem sabíamos o que era.

Tudo começou quando encontrei, embaixo de uma estante da Biblioteca Municipal Murilo Mendes, um antigo livro manuscrito escrito por Antônio Joaquim Torres de Carvalho, um secretário particular de um cidadão famoso da cidade: Francisco Mariano Halfeld. Descobrimos então, que em um dos capítulos do livro havia um enigma. Este enigma nos levou a outros, todos escondidos em lugares antigos e históricos.

Quando finalmente encontramos o que Antônio Joaquim havia escondido (uma caixa contendo um punhal de ouro maciço, com uma inscrição de D. Pedro II e cuja base havia esculpido um dragão segurando as iniciais do nome do nosso município: J e F), revelamos a todos nossa aventura e entregamos o punhal para o Museu Mariano Procópio, o mais importante de Minas Gerais, em uma solenidade em que até o prefeito estava presente.

Tornamo-nos quase celebridades! Muitas pessoas dos nossos bairros e do nosso colégio faziam questão de no cumprimentar. Fomos convidados a dar várias entrevistas em jornais, rádio e televisão. Chegaram até a fazer uma matéria que foi exibida em rede nacional. Escrevi um livro contando toda a nossa aventura: “O enigma de Santo Antônio do Paraibuna”. Resolvi colocar o mesmo título do livro que achamos. Foi uma espécie de homenagem a Antônio Joaquim. No entanto, o livro ainda não foi lançado, afinal não queria que todos soubessem de um outro segredo que estava escondido dentro da caixa.

Confesso que chego a achar engraçado quando alguém me reconhece na rua. Alguns vêm pra me cumprimentar, outros cochicham apontando pra mim. Acho engraçado porque não acho que sejamos importantes. Claro que sei da importância e da grandiosidade da descoberta e do valor histórico que tudo isso tem para a cidade, no entanto a única coisa que fizemos foi encontrá-la! Não sou artista, não me sinto uma celebridade, muito menos me acho importante. Ainda assim, alguns garotos da minha escola inventaram que eu me acho “o cara”, que adoro “tirar onda” porque me tornei conhecido. Isso só pode significar duas coisas: inveja ou boato lançado por Leonardo, afinal ele passou a nos odiar depois de tudo o que aconteceu.

Mas, vou explicar o porquê de eu achar que essas férias não seriam calmas. Na verdade havia outro objeto na caixa que não foi revelado a ninguém e por isso não lancei meu livro. Era um outro livro escrito à mão por Antônio Joaquim, intitulado “Os segredos das Minas Gerais” . É um livro com uma capa vermelha de couro e com letras douradas marcando o título e o nome do autor.

Assim que achamos o livro, combinamos manter segredo. A não ser a um homem chamado Antônio que conhecemos no Museu de Marmelos. Por uma coincidência do destino, ele é bisneto do autor dos enigmáticos livros.

Depois de tudo o que descobrimos e passamos, resolvemos abrir o livro apenas quando estivéssemos de férias. Nossa decisão foi em comum, todos concordaram que o livro ficaria guardado em minha casa, dentro de um fundo falso de uma gaveta no guarda-roupa do meu quarto. Confesso que algumas vezes tive vontade de lê-lo, mas me segurei, pois não seria justo com meus amigos.

Nossa decisão de abrir o livro só quando chegassem as férias foi tomada para não ficarmos envolvidos com ele e, assim, acabássemos indo mal em nossos estudos. Além disso, eu também estava escrevendo o meu livro, o que me deixava bem ocupado.

Enfim, as férias haviam chegado. Então, assim que o sinal da última aula do ano bateu, a primeira coisa que fizemos foi ir até meu apartamento. Como esperávamos ansiosamente por esse momento, já havia pedido à empregada que fizesse um almoço caprichado.

Júlia adorou quando viu o que eu havia pedido para o almoço. Era seu prato predileto. Não foi coincidência nenhuma, foi só para agradá-la. Batata gratinada com recheio de frango, cheddar e milho verde. A sobremesa também foi em sua homenagem: sorvete de creme!

Minha sorte foi que Renato também adorou o almoço e só depois ficou sabendo que tudo ali era da preferência da Júlia e sacou que eu queria agradá-la.

Assim que terminamos o sorvete, fomos direto ao meu quarto. Abri a gaveta, retirei o fundo falso de madeira e peguei “Os segredos das Minas Gerais”. Enfim, depois de quatro meses iríamos voltar a ver a letra de Antônio Joaquim. Sentamos, os três, na minha cama. Eu no meio, Renato à minha direita e Júlia à minha esquerda. Assim que coloquei meus dedos na capa e ameacei abrir o livro, Júlia disse:

― Espere! Não é melhor abrirmos o livro juntamente com Antônio, bisneto do escritor?

Fechando o pouco que eu havia aberto do livro, respondi:

― Acho justo mostrarmos o livro pra ele, mas não vejo motivo em não lermos as primeiras páginas. Afinal, fomos nós que achamos.

― Concordo com o Paulo. – apoiou-me Renato. – Vamos mostrar o livro para ele sim, mas pelo amor de Deus, estou morrendo de curiosidade!

― Está bem! Vocês me convenceram! Também estou ansiosa pra saber o que Antônio Joaquim Torres de Carvalho quer que a gente faça agora! – disse Júlia.

Finalmente, segurei a capa entre o polegar e o dedo indicador e abri “Os segredos das Minas Gerais”.

Como estávamos acostumados, havia uma saudação na primeira página do livro, que dizia:

“Saudações, caro amigo,

agradeço-te antes de tudo, pois já que estás lendo estas páginas, sem dúvida achaste o que escondi. Espero que tenhas seguido minhas instruções e assim tenhas revelado toda a história para nossa cidade

Como deves supor, tens nas mãos mais uma série de enigmas. No entanto, estes não foram elaborados apenas por mim. Tive a contribuição de alguns amigos que fazem parte, como eu, de uma organização secreta intitulada “Ordem dos Escritores e Preservadores da Cultura de Minas Gerais”, a qual convidar-te-ei, ao longo desta tua nova jornada, a fazeres parte, se assim quiseres.

Esta organização foi instituída em 1790 e, para meu orgulho, sou um de seus membros, juntamente com outros nomes importantes, que descobrirás em breve. Seu motivo principal de existência, como seu próprio nome diz, é preservar a cultura e a história de nosso estado.

Aconselho-te que formes, se não o tiveres feito, uma equipe que possa auxiliar-te nesta, que será muito mais complexa e demorada que a outra, jornada cultural através da história de Minas Gerais. Cuidado, porém, ao escolher os integrantes de teu time. Tem certeza de que podes confiar cegamente em cada um deles ou provavelmente terás problemas no percurso.

Abraços,

Antônio Joaquim Torres de Carvalho.

― Muito bem! Aqui vamos nós de novo! Preparados? – Renato perguntou.

― Acho que sim! – respondi. – Mas e a nossa primeira tarefa é ir até o Museu de Marmelos e convocar o bisneto do Antônio Joaquim a tomar parte de nossa equipe!

Neste momento Renato, com os olhos voltados para o chão, disse:

― Tenho que confessar uma coisa a vocês. Contei sobre o livro para minha mãe. Estávamos conversando sobre tudo o que aconteceu e, como ela é historiadora, revelei que havíamos achado “Os segredos das Minas Gerais”.

― Pô... Não acredito, cara! – revoltei-me. – Você não tinha esse direito. Não foi esse o combinado. Pô, veja o que Antônio Joaquim disse: temos que confiar uns nos outros e você acabou de revelar que pisou na bola. Não é possível, você não...

― Calma, Lito. – Júlia interrompeu-me, usando carinhosamente meu apelido. – Não é pra tanto. Aliás, a Laura, mãe do Renato, pode até nos ajudar. Ela é historiadora e, pelo que lemos, esses enigmas serão mais complicados. Quanto mais ajuda, melhor!

― Júlia está certa, Paulo. Sei que não foi esse o combinado, peço desculpas por isso, mas podemos aproveitar a situação. Tenho certeza de que minha mãe poderá nos ajudar muito. – disse Renato num tom estranhamente melancólico.

― Tudo bem, tudo bem... Mas vamos até o Museu de Marmelos. Temos muito o que conversar com Antônio. E chega de integrantes no grupo, certo? Cinco pessoas: já é mais do que o necessário.

Renato concordou, olhando tristemente para o chão.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Seu Ponteirinho

Era um homem correto, se visto pelos ideais da sociedade, da religião e da política. Pagava seus impostos com correção, era britanicamente pontual, responsável e ia à missa todos os domingos pela manhã. Cristão, católico, acreditava piamente no Deus da Bíblia. Fazia questão de mostrar a todos sua solicitude. Nunca recusava um pedido de ajuda, fosse financeira ou um simples conselho: lá estava ele, pronto e apto para socorrer.

Era um abstêmio convicto. Não queria que seu corpo saudável fosse maculado pelas mazelas do álcool. Muito menos seu intelecto. Prezava em ser equilibrado. “O álcool transtorna o espírito”, dizia com ar de sábio.

Sua organização era de dar inveja a qualquer militar. Camisas penduradas em cabides, separadas pela tonalidade das cores. Cuecas e meias organizadas por dia da semana, uma pilha para cada dia. Fazia questão de que a esposa passasse cada peça do seu vestuário. Até mesmo seus lenços deveriam estar impecavelmente engomados.

Seguia uma rotina rígida. Tinha horário certo até para ir ao banheiro. Controlava os segundos em seu relógio suíço para que nada fugisse do seu controle. Desde uma reunião de negócios até um simples café na padaria tinham seu horário.

Era conhecido na empresa em que trabalhava como aquele que resolvia tudo. “Precisa de alguma coisa pra ontem? Pede pro Ponterinho que ele dá conta!” Porém, ninguém o chamava para o happy-hour depois do trabalho. Aliás, isto seria inútil, pois, além de não beber, ele tinha o horário certo pra colocar a chave na fechadura da porta de casa, pra entrar, pra dar um beijo na mulher, pra tomar banho...

Quando era chamado por seu apelido: Ponteirinho, ele ficava indiferente, mas no fundo, no fundo, tinha uma ponta de orgulho por ser reconhecido pela sua disciplina, mesmo sabendo que a alcunha tinha sentido pejorativo.

Contudo... Acordou certo dia e, de forma habitual, a primeira coisa que fez foi olhar para as horas em seu relógio de pulso que não tirava nem para dormir. Olhou-o e estranhou: não podiam ser três horas, o sol parecia ter nascido a pouco tempo. Para seu desespero, percebeu que seu relógio parara d funcionar. Voltou seus olhos para o despertador em cima do criado-mudo e viu: 7:53. Como acordava religiosamente às 6:07, entrou em pânico. Suor frio, pupilas dilatadas, pelos arrepiados, embrulho no estômago, um gosto metálico na boca. Coração palpitando, batendo forte, pressionando a caixa torácica. E agora? Nunca na vida perdera a hora. Nunca teve nada fora do controle. E hoje uma hora e quarenta e seis minutos, agora, pra ser mais preciso, uma hora e quarenta e sete minutos desperdiçados, desaparecidos, exterminados, transformados em pó pelo relógio quebrado. “E o alarme do despertador? Por que não tocou?” “Eu desliguei...”, respondeu meio acordada, meio dormindo, a esposa. “Por quê?”, berrou como um animal, coisa que nunca fez na frente da mulher, nem ele se lembra da última vez que perdera o controle. “Você nunca precisa dele pra acordar mesmo...”, respondeu ainda meio grogue de sono, meio atônita com o grito visceral de Ponteirinho.

Vestiu suas roupas, pela primeira vez na vida, sem se importar se combinavam. Colocou uma cueca de quinta-feira, “Dane-se se é segunda.”, pensou. Sem perceber, vestiu a camisa da seleção brasileira e uma calça social cor de vinho. A barba por fazer, os cabelos emaranhados, o hálito horrível de toda uma noite de sono, tudo ficou pra trás.

Eram 8:41 e ele avançava os sinais da grande metrópole. Quando ficava preso atrás de um motorista lento saía do carro, gritava, voltava pro carro, xingava, buzinava. Lembrava do horário e berrava. Seu ponto deveria ser batido às 8:00 e já eram 8:53.

Esbaforido, chegou à empresa. Bufava. Mal cumprimentou o porteiro que parecia lhe trazer algum recado. Foi voando até sua sala e mal havia aberto a porta quando ouviu a voz com sotaque nordestino de Seu Severino, faxineiro da empresa.

— Eita, Seu Ponterim... Até domingo o senhor trabalha?

E numa voz gutural, flamejante, gritou:

— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO! Perdi a missa...